Histórias da CART 3503

Para denunciarmos, para perdoarmos, mas para jamais esquecermos!

quarta-feira, 24 de outubro de 2007 | 17:11

Sagal

O ataque ao aquartelamento do Sagal durava já há mais de 48 horas, quando regressou a Mueda a coluna de abastecimento a Mocimboa do Rovuma.
O empenhamento das forças da Frelimo, que actuavam em Cabo Delgado, neste ataque, possibilitou a realização da coluna, sem grandes sobressaltos, o que era inédito naquelas paragens.
Entretanto em Mueda, com as notícias que chegavam dos militares cercados no Sagal, a situação ia-se agravando. Os meios aéreos não se aproximavam, face aos dispositivos de defesa montados pelos guerrilheiros, conhecedores dos efeitos da ajuda que os aviões e hélis prestavam aos quartéis atacados. As notícias apontavam para a quase impossibilidade de uma coluna militarizada, por terra, lá chegar. Não se sabia ao certo se havia feridos graves, mas havia já a certeza que não existiam mortos.

O tipo de ataque desencadeado, com o emprego de material pesado e sofisticado, e com a duração que havia já, colocou novos problemas a quem tinha a tarefa de envidar todos os esforços possíveis para auxiliar os atacados. Este era o drama dos responsáveis e restantes militares de Mueda. Até que se decidiu, após três dias de ataques ininterruptos, organizar uma coluna de auxílio.
A participação dos militares estacionados em Mueda, obedecia a uma escala alternada, de forma a proporcionar um mínimo de descanso aos soldados ainda activos. Só que nesta altura o número de militares em condições físicas de actuar no mato, era mínimo.
Razão pela qual desde logo se aproveitou o facto dos rapazes da «companhia macaca» terem beneficiado da sua não participação na coluna que havia sido entregue ao seu comandante, a Mocimboa do Rovuma, embora comandando militares de outras companhias, para organizar o referido auxílio. Assim, era inevitável a participação desta companhia «velhinha» na coluna que se preparava já, para socorrer os sitiados no Sagal. Também era certo, face à escala, que o comando desta coluna não caberia ao capitão da «companhia macaca», pois acabara de realizar o abastecimento a Mocimboa. Logo, seria o outro, comandante de tropa mais fresca, embora há cerca de 12 meses em Mueda. Mais uma vez, ter-se-ia a comandar a coluna, o comandante de uma companhia, com soldados da outra. As soluções típicas há muito que se haviam esgotado. Restavam 2 capitães, uma companhia relativamente completa, e outra, a «companhia macaca», reduzida a um punhado de sobreviventes em condições físicas e psicológicas deficientes. O Natal e o fim do ano aproximavam-se e deste modo cumpria-se a tradição com o incremento da actividade guerrilheira.
Um arremedo de animação percorria as companhias situadas em Cabo Delgado, com a presença de algumas cantoras, desconhecidas, mas que lá cumpriam a sua missão, proporcionando aos soldados alguns momentos de boa disposição e esquecimento da guerra. A qualidade da música e das letras era preocupação secundária de quantos estacionavam naquelas paragens.
Bom, e decorria o espectáculo para os soldados, enquanto os oficiais na sua messe, procuravam matar o tempo com o álcool e o jogo.
Aproveitavam os dois comandantes das companhias operacionais para falar, um, sobre a experiência que acabara de viver, com a realização de uma coluna sem baixas, e o outro, preocupado com a partida, manhã cedo, para socorrer os homens do Sagal.
Momento especial para o outro capitão, pois trava-se de uma operação de alto risco.
Na noite imediatamente anterior à partida da coluna, este indigitado comandante da mesma, calmamente, no pequeno quarto que partilhava com o outro comandante, o da «companhia macaca», indicava-lhe a pasta onde guardava algum dinheiro, a carteiro com documentos e as fotografias dos filhos... acontecesse alguma coisa de pior, ele, seu camarada de quarto e de guerra, ficava assim investido na responsabilidade de fazer chegar aos «seus», aquilo que seria o seu espólio.
Com palavras de circunstância o outro capitão tentava afastar a pressão que naquele momento carregava o quarto de ambos.
Eram momentos como este que fazia com que os militares se solidarizassem e se dispusessem, se necessário fosse, a «dar a própria vida» pelos camaradas de armas. O aparelho militar, montado e dirigido por uma «casta» reaccionária, na frente de batalha, procurava canalizar a revolta sentida pelos militares, para a defesa dos interesses instalados em Lisboa.