Histórias da CART 3503

Para denunciarmos, para perdoarmos, mas para jamais esquecermos!

quinta-feira, 20 de março de 2008 | 16:52

Merecer a Água que se Bebe

Estávamos no mês de Dezembro do ano 1972 em Mueda, quando nos foi dito a título sigiloso que a CART 3503 ia levar a cabo uma grande operação hélio transportada.
Sendo uma actuação a nível de companhia o capitão não pôde escapar e assim se viu em pleno mato, onde estivemos seis dias; e num desses dias fizemos um achado, que este senhor considerou como troféu de guerra, o que afinal não passava de algumas granadas e um grande número de munições de vários calibres.

Não falando de como decorreu a operação, chegou o dia de regresso. Deslocámo-nos para a antiga missão onde nos esperavam as viaturas militares e assim fizemos o regresso pela picada que se cruzava com a picada de Nancatary, que passava pelo destacamento das Águas, onde os camiões tanques eram enchidos para abastecer Mueda.
Só quem esteve em Mueda sendo operacional; ou aquele que não sendo operacional, se atrevia a sair do arame farpado; é que conhecia aquele cruzamento, que era quase no final da subida que vinha das Águas, e assim poderia imaginar o quanto sofria nessa subida um condutor desses camiões tanques carregados de água para chegarem lá cima.
É neste cruzamento que nasceu esta minha história ou denúncia como queiram chamar-lhe: o cruzamento de um camião tanque cheio de água que vinha a gemer por todos os lados com a coluna de viaturas que trazia os militares que tinham estado na operação.
É aqui que entra o senhor capitão. Começou aos berros com o condutor para que parasse o camião, sujeito a ir parar ao vale de Miteda se lhe falhassem os travões. O coitado depois de tanto sacrifício em trazer o camião para cima, ainda teve que ouvir o senhor capitão, que estava ansioso por chegar a Mueda para mostrar o seu troféu, para o qual em nada contribuiu, ao seu padrinho que era o comandante do Batalhão.
Este senhor comandou a CART 3503 durante quatro meses, de 28 de Outubro de 1972 a 28 de Fevereiro de 1973, esta foi a única vez que saiu para o mato connosco, tendo-se desenfiado para a sala de operações onde não arriscava a pele, mas recebeu um louvor a 31 de Janeiro, à custa, evidentemente, de ter sacrificado a companhia com constantes operações de alto risco, ao contrário dos outros cinco comandantes que cumpriram o seu dever mas sem nunca tentarem cair nas boas graças dos seus superiores à custa do sacrifício alheio.
Mas não termina aqui esta minha denúncia. Como se não bastasse o que disse ao condutor ainda lhe deu uma bofetada. O condutor que era um soldado negro, pareceu-me ter ficado branco naquele momento, mas a verdade é que se fosse branco não sei se ele teria coragem de lhe bater, porque estaria sujeito em Portugal a que o soldado o procurasse para lhe pedir satisfações.
Só me falta dizer que sendo a água para abastecer Mueda, aquele senhor não só não mereceu o louvor que recebeu à nossa custa, como nem merecedor era da água que bebia.

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