Histórias da CART 3503

Para denunciarmos, para perdoarmos, mas para jamais esquecermos!

domingo, 20 de julho de 2008 | 00:54

Os Pára-quedistas


Oito de Maio de 1972, terceiro mês na guerra da companhia 3503.
Tínhamos partido de Mueda para levar uma coluna a Omar e agora, já de regresso e após uma semana passada na picada, tentávamos a todo o custo ir dormir ainda nessa noite ao aquartelamento.
Omar, situado a meia dúzia de Kms do rio Rovuma e com a Tanzânia à vista, distava cerca de 75 Kms de Mueda , mas percorrer essa picada nos dois sentidos, levava sempre vários dias e muito sangue derramado das várias companhias que por aí passaram, pois as emboscadas, os ataques de morteiro e as minas, eram companhia obrigatória em todas as colunas realizadas nessa picada. Principalmente as minas que se contavam sempre por dezenas durante esse trajecto.
Tendo acompanhado o grupo de picagem durante cerca de uma hora, acabara de ser substituído nessa tarefa pelo Ventura, pelo que procurei uma viatura para me instalar e como achei que a primeira ou segunda eram demasiado perigosas, escolhi a terceira que era conduzida pelo Abílio Teixeira. Tentando obter uma boa visibilidade dos acontecimentos e ao mesmo tempo proteger-me de uma possível mina, coloquei os pés em cima do assento ao lado do condutor e sentei-me em cima da estrutura da cabine, pois como era hábito as viaturas nestas picadas viajavam sem essa cobertura.
Já instalado, acendi um cigarro e observei a picada onde seguiam os picadores, à frente 2 homens com ancinhos, um de cada lado e depois, alternadamente, homens armados e outros com picas e no meio deles, também um de cada lado, seguiam dois homens com os detectores de minas, aparelhos velhos da segunda guerra mundial, mas muito úteis, pois eram eles que muitas vezes nos indicavam os locais onde as minas estavam enterradas.
Fixei os olhos num desses homens, neste caso o que seguia pelo rodado do lado esquerdo da picada, era o Velhinho, que momentos antes me pedira autorização para levar o detector e eu, contrariando a opinião de alguns soldados, que me diziam não ser o Velhinho de confiança para aquele trabalho, resolvera autorizá-lo.
Auscultadores nos ouvidos e olhos no chão, ele lá seguia, concentrado e extremamente orgulhoso da sua missão.
Mais descontraído, estiquei o pescoço tentando avistar Mueda ao longe, talvez a saborear já a cerveja que me esperava.
De repente um enorme estrondo e sem saber como dei por mim caído no meio do capim, rodeado de fumo por todos os lados e um inconfundível cheiro a trotil. Demorei a perceber o que tinha acontecido, a minha cabeça estava muito confusa e parecia querer rebentar, mas uma coisa eu sabia, tinha que afastar-me dali o mais rápido possível. Levantei-me e tentei dirigir-me para onde ouvia vozes, mas desorientado fui ter à picada um pouco distante do local para onde tinha caído. Do lado direito da viatura, dentro do capim, alguns homens procuravam qualquer coisa e ao perguntar o que se passava disseram-me:” caiu para aqui um gajo”. Resolvi ajudar e durante alguns segundos procurei também no capim o desgraçado que para ali tinha voado. Mas de repente fez-se luz no meu espírito, quem caíra para aquele lado não fora outro se não eu.
Tinha acabado de viver duas experiências completamente novas, a de pára-quedista e a de pela primeira vez na minha vida ter andado à procura de mim próprio.
Para o lado esquerdo da picada tinha voado o Abílio Teixeira, pois a mina tinha rebentado exactamente no rodado sobre o qual passara antes o Velhinho.

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